Noruega: petróleo e altos impostos sustentam país com maior qualidade de vida do planeta
Estado norueguês também se destaca por busca pela igualdade de gênero e por incentivar aumento na taxa de natalidade
A cidade de Oslo é tudo o que se pode esperar da capital do país com
maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo. O frio nórdico é
acompanhado por um transporte com eficiência cronometrada, escolas que
abrigam alunos de diferentes classes sociais e hospitais de qualidade
gratuitos. Tudo público, gerido pelo Estado norueguês.
A prosperidade da Noruega, porém, não é fruto da exploração de colônias
ou de desenvolvimento industrial pioneiro. Independente da Suécia
apenas em 1905, a Noruega era o “primo pobre” entre os países nórdicos,
tendo a situação agravada ainda mais com a Segunda Guerra Mundial,
quando o território foi ocupado por forças da Alemanha nazista. A
recuperação do país foi iniciada com o Plano Marshall, mas o atual
estágio de desenvolvimento passou a ser uma realidade alcançável a
partir da década de 1970.
Vista de Oslo: Noruega é país com melhor IDH do mundo, graças ao petróleo e a altos impostos
O momento da virada norueguesa é 1969, quando foi encontrado petróleo
pela primeira vez no mar do Norte. “O óleo é claramente fundamental para
o desenvolvimento da sociedade norueguesa. Não dá para entender a
situação da Noruega sem pensar na questão do óleo. Podemos pensar que a
descoberta desse recurso natural foi uma sorte, mas, por outro lado, ele
foi muito bem manejado pelo Estado”, afirma Axel West Pedersen,
pesquisador do Instituto de Pesquisa Social, que já desenvolveu
trabalhos para a União Europeia.
Como uma das características principais desse sucesso norueguês ao
administrar o dinheiro oriundo do petróleo, pode-se citar a criação de
um fundo, considerado o maior do mundo. Anualmente, o governo tem o
direito de gastar em seu orçamento apenas 4% desse montante, de pouco
menos de US$ 1 trilhão, com o objetivo de garantir que as novas gerações
também se beneficiem do recurso mineral.
Para se ter uma ideia do valor recebido pela Noruega, dez anos depois
do início da exploração de petróleo e gás, a atividade já representava
um terço do lucro do país com exportações. Além disso, até o final de
2012, a exploração de petróleo já tinha rendido à Noruega cerca de R$
1,14 trilhão, pouco mais que o dobro do PIB (Produto Interno Bruto)
local.
Resistência à privatização
Nas últimas cinco décadas, durante o processo de melhoria da
infraestrutura nacional, a Noruega teve que resistir a forte pressão
pela privatização do setor. “Quando havia empresas estrangeiras
explorando a nossa reserva, asseguramos que elas fossem obrigadas a
treinar noruegueses, de forma que pudéssemos um dia consolidar uma
indústria própria de extração de petróleo. Também obrigamos as
companhias estrangeiras a pagar até 78% de impostos”, conta Heikki
Holmås, parlamentar do Partido Socialista.
O alto valor dos impostos, por sinal, não é uma exclusividade desse
setor da economia. Para financiar a qualidade de vida mais elevada do
mundo, o Estado norueguês cobra 42% de Imposto de Renda.
“Nosso modelo de desenvolvimento é semelhante aos dos outros países
nórdicos. Por meio do Estado do bem-estar social, garantimos uma série
de direitos iguais para toda a população e esse modelo é acompanhado de
altos impostos. A população aceita altas taxas tributárias porque recebe
de volta do Estado um serviço de saúde gratuito, boas escolas, licença
maternidade de até um ano, entre outros benefícios sociais”, explica a
parlamentar do Partido Trabalhista Marit Nybakk.
De acordo com Marit, esse modelo é bem-sucedido quando, antes do Estado
do bem-estar social, são criados valores comuns na sociedade local. No
caso da Noruega, entre esses valores está a busca pela igualdade de
gênero, um dos motivos que garante o país no topo do IDH há cinco anos,
quando comparamos os dados dos países que lideram a lista.
Taxa de natalidade e educação
Além de salários e oportunidades semelhantes para homens e mulheres, o
Estado ainda incentiva o aumento da taxa de natalidade, pagando os
salários das mães por um ano, dando bolsas para os jovens até a
maioridade e oferecendo educação gratuita de qualidade.
“Nunca me senti discriminada e acredito que sempre tive as mesmas
oportunidades dadas aos homens. Agora tive o meu primeiro filho e
pretendo ter outros. É muito bom poder ficar cuidando dele por um ano,
com a certeza de que voltarei ao meu emprego depois”, diz a
fisioterapeuta Christina Tanem, 33 anos.
Andre Lion/Opera Mundi
Ópera Nacional Norueguesa, em Oslo: país tem alta qualidade de vida
A busca por aumentar o número de nascimentos no país se deve ao
envelhecimento da população, fenômeno que afeta com gravidade diversos
países da Europa. Especificamente na Noruega, a porcentagem de pessoas
com mais de 67 anos era de 8% em 1950. Em 2014, esse índice chegou a
13%.
Nas últimas décadas, como parte desse processo, o país alterou o perfil
das mulheres que têm filhos. Na Noruega, as mulheres têm seus primeiros
filhos, em média, com 28,6 anos, e mais da metade delas (54,9%) o faz
sem estarem casadas.
Outro dado interessante é que, em 1970, 11% dos nascimentos vinham de
mães adolescentes. Hoje, esse número caiu para menos de 2%. A mudança
foi possível com a legalização do aborto, que faz parte das políticas de
igualdade de gênero do país e, anualmente, é a escolha de 2% das
mulheres entre 20 e 24 anos.
Rei Harald V: país ainda é uma monarquia; rei é
bastante popular entre noruegueses
bastante popular entre noruegueses
Além
das licenças maternidade e paternidade, a educação pública e gratuita
de qualidade é outro elemento central para incentivar os noruegueses a
terem filhos.
“Os alunos vão para uma ou outra escola devido à proximidade de suas
casas e o Estado faz testes anuais para acompanhar a qualidade de cada
instituição. Os diretores têm bastante autonomia, pois há apenas um
currículo básico e os métodos podem ser alterados, não existe uma regra
sobre número de alunos por sala, por exemplo. Aqui também temos projetos
em comum entre alunos de séries diferentes, pois fazemos com que os
mais velhos desenvolvam habilidades como ensinar os mais novos”, conta
Elin Brandsæter, diretora de uma escola que reúne 538 jovens de 38
nacionalidades diferentes, que cursam ensino primário e secundário.
O cientista social Pedersen concorda com a centralidade da educação no
modelo nórdico de sociedade. “Um aspecto realmente importante da
sociedade na Noruega é o modelo de educação pública, muito inclusivo.
Ele propõe a interação entre crianças de diferentes classes sociais, o
que gera inúmeras consequências positivas. Um dos nossos desafios é
manter essa característica, mesmo quando os imigrantes passam a viver em
locais mais segregados, por exemplo. De qualquer maneira, se o ensino
fosse privado aqui esse desafio seria ainda maior. O modelo deu mais
certo aqui porque os guetos são maiores na Suécia e na Dinamarca. Na
Suécia, houve inclusive um movimento de privatização das escolas, mas
acabou sendo muito malsucedido.”
Monarquia
A aparência de modernização na Noruega é acompanhada de um traço
curioso: o país ainda é uma monarquia. O rei Harald V tem poderes
limitados, mas realiza reuniões semanais com o gabinete do
primeiro-ministro.
Além das formalidades, Harald V também desfruta de alta popularidade.
Segundo pesquisa divulgada em 2014, ele tinha 90% de aprovação da
população, o que lhe dava o título de monarquia mais popular do mundo.
As famílias reais de Dinamarca e Holanda apareciam na sequência do
estudo, com 80% de aceitação.